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Da Redação | Publicada em 10/01/2022

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REVISTA AERO MAGAZINE


O projeto de Santos Dumont que estabeleceu as bases da construção aeronáutica

Demoiselle foi a grande obra-prima do brasileiro e um dos aviões foi usado pelo lendário Roland Garros

Ernesto Klotzel | Publicada em 10/01/2022 16:10

Alberto Santos Dumont não se deixou levar pelo clima de celebração e notoriedade renovada que tomou conta da França, contagiando os principais países do mundo, após a realização, no Campo de Bagatelle, do primeiro voo de um veículo mais pesado que o ar utilizando apenas seus próprios recursos, em 23 de outubro de 1906.

Na realidade, ele sabia que o 14-Bis dos primeiros voos era mais um símbolo de uma inédita e histórica conquista tecnológica do que propriamente um modelo em configuração da célula e motorização para inspirar seus colegas e rivais diretos como Farman, Blériot e os irmãos Voisin.

Durante um bom tempo eles e outros ilustres pioneiros foram os grandes motivadores de sua surpreendente evolução em termos de modelos de aviões que, em breve, assumiriam a configuração básica dos aviões que conhecemos hoje.

Santos Dumont não desejava perder sua posição de liderança, continuando com seu ritmo normal de trabalho e dando vazão ao seu gênio criativo, ao qual Paris e o restante da Europa haviam se acostumado desde os feitos — igualmente inéditos — de sua passagem pelo mundo dos dirigíveis.

No entanto, ao que tudo indica, havia uma diferença entre seu método de trabalho no incipiente mundo da aviação. Enquanto os novos projetos de dirigíveis saíam quase continuamente de sua oficina, não permitindo em muitos casos o estabelecimento de um só padrão construtivo a ser eventualmente aprimorado, sua presença (igualmente dinâmica e inovadora) no cenário dos mais-pesados-que-o-ar, que ele próprio havia instituído, se caracterizaria por uma progressão de aprimoramentos de modelos e configurações básicas pouco semelhantes aos processos de “tentativa e erro” do início dos anos 1890.

Os pioneiros da era do avião ainda tinham muito a aprender: faltavam conhecimentos mais profundos em aerodinâmica, sistemas de controle, motores, novos materiais e outros quesitos. Nem o posicionamento correto do trem de pouso — para permitir a “rotação” propícia a aumentar o ângulo de ataque — manobra própria a qualquer decolagem podia ser considerado uma ciência exata.

O inventor brasileiro sabia que o 14-Bis, não obstante, seu significado para o incipiente universo da aviação, apresentava deficiências em termos de estabilidade e desempenho, porém, seria uma excelente referência para aprimora- mentos futuros. Para começar, Dumont tinha dúvidas quanto à adequação da configuração canard, cuja ação considerava comparável ao ato de “lançar uma flecha com a cauda voltada para frente”.

Uma impressão que foi desfeita com o SD-15 este sim, um primeiro esforço para colocar os principais componentes de uma aeronave primitiva em seus devidos lugares, com asas e conjunto leme-profundor, exemplo que seria uma diretriz respeitada pela indústria aeronáutica até os dias atuais. Há, claro, exceções como alguns aviões militares e civis que utilizam o canard como recurso imprescindível a determinadas características de voo. Durante a construção de um novo modelo derivado, Santos Dumont voou mais uma vez o 14-Bis atingindo 220 metros no ar sobre Bagatelle.

Este voo, realizado em 12 de novembro de 1906, é o primeiro voo homologado das histórias da aviação. Como era previsto, o SD-15 assemelha- vase a um 14-Bis “invertido”, com a empenagem na posição usual à maioria dos aviões. Em fevereiro de 1907, a respeitada publicação “L’Aerophile” fez um comentário a respeito da drástica mudança: “Sob o ponto de vista da estabilidade, o senhor Santos Dumont realizou uma reviravolta, colocando o que estava na frente para trás e vice-versa. Isso é lógico, pois se conforma à Natureza e, desta vez, o novo SD-15 manterá sua estabilidade com relação aos ventos”.

O novo avião era igualmente biplano, com três células Hargraves de cada lado, fabricadas em madeira com- pensada, e a estrutura era reforçada por cordas de piano. A superfície alar era de 14 metros quadrados, para uma envergadura de 11 metros e um comprimento de apenas 6 metros. O motor, um Antoinette de 8 cilindros (50 hp) acionava uma hélice de alumínio com 2 metros de diâmetro. O que chamava atenção era o trem de pouso, composto por uma só roda com pneu de 90 milímetros.

Em 21 de março daquele ano, Santos Dumont fez os primeiros testes de rolagem em Saint Cyr, já que as condições em Bagatelle não eram mais consideradas satisfatórias. As experiências com uma só roda em velocidades de até 35 km/h foram totalmente aprovadas. Em 27 de março, Dumont resolveu fazer o primeiro voo, mesmo sabendo que a estabilidade do SD-15 diminuía com o aumento de velocidade.

Antes mesmo de sair do chão, o novo avião desequilibrou-se e tocou com a ponta da asa na grama causando avarias que o levaram de volta à oficina em Neuilly. Enquanto isso, o brasileiro tirou o 14-Bis do hangar levando-o para Saint Cyr. Após a decolagem, o 14-Bis começou a oscilar lateralmente, aumentando de forma progressiva, até que nem suas contorções para comandar os ailerons (controlados por cabos ancorados em seu colete) foram suficientes para evitar a colisão com o solo, percorridos apenas 50 metros.

Uma perda total, sem possibilidades de recuperação. Antes de reiniciar suas experiências com um SD-15 modificado em Neuilly, Santos Dumont tentou, mais uma vez, uma configuração híbrida, combinando capacidade de sustentação de um balão com a dinâmica de um avião que conhecia de seus tempos de dirigível. Após uma corri- da de decolagem de apenas 30 metros, o invólucro do balão foi rasgado pela falta de controle do “componente avião” da estranha combinação, registrada como SD-16.

Era hora de dar o próximo passo na evolução do SD-15. O modelo SD- 17 apresentava um novo motor de 16 cilindros em “V”, de 100 hp, que acionava uma hélice tripá de madeira, resgatando as duas rodas no trem de pouso. As células Hargraves foram deixadas de lado, mantendo, porém, a configuração biplano. O SD-17 não foi concluído. Durante sua fase de construção, Santos Dumont permitiu-se uma quebra em seu regime de trabalho com os mais-pesados-que-o-ar, envolvendo-se com a hidrodinâmica, ao projetar, construir e testar um deslizador aquático para atingir a velocidade de 100 km/h no rio Sena.

A invenção era fruto de uma aposta que nasceu em um alegre jantar no Maxim’s, reunindo figuras de relevo e diletantes da navegação aérea. Um certo Monsieur Charron (industrial e construtor de automóveis) deflagrou três desafios distintos que envolviam apostas de milhares de francos, concedendo aos postulantes uma vantagem calculada em 20 para 1. Sabia naturalmente que as condições da competição impostas aos candidatos eram de difícil realização para aquele momento da evolução tecnológica — tanto no ar como sobre a água. Santos Dumont escolheu o rio Sena, construindo sua revolucionária embarcação inspirado nas técnicas aeronáuticas com relação à estrutura em madeira recoberta por tecido impermeável.

Seu posto de comando ficava no corpo principal em forma de charuto, completado por dois flutuadores laterais. O deslizador era impulsionado pelo mesmo conjunto motor-hélice do SD-17. O hidroplano SD-18 foi testado no Sena sem motor e rebocado por uma lancha para a avaliação de seu comportamento hidrodinâmico, passando em seguida para o estágio decisivo do conjunto completo sem ligar o motor.

Logo foi constatado que o projeto não teria sucesso e nunca poderia navegar normalmente, quanto mais atingir os 100 km/h: os flutuadores tinham a tendência de ficar sob o nível do rio, comprometendo totalmente o desempenho do SD-18 com motor em pleno regime. Uma aposta perdida que parecia anunciar a primeira etapa de um avião que deixaria sua marca até os dias atuais, rivalizando inclusive com o 14-Bis como ícone histórico na evolução do mais-pesado-que-o-ar.

Como já acontecera com o dirigível No 6, que conquistou o Prêmio Deutsch de la Meurthe, foi mais uma vez a instituição de um prêmio, cujos idealizadores eram os tradicionais incentivadores do voo, de la Meurthe e Ernest Archdeacon, que levou Santos Dumont a superar-se. Conhecido como Grand Prix d’Aviation, destinava- se a premiar com 50.000 francos o primeiro piloto a realizar um voo de um quilômetro em circuito fechado.

Desta vez, Dumont enfrentaria, como concorrentes, velhos conhecidos que nunca ficaram muito longe de suas conquistas. Afinal, em 1907 existiam sete competidores com chances iguais, além do brasileiro: Farman, Blériot, Voisin, Vuia, Esnard-Pelterie, Delagrange e Pischoff. O trabalho de Dumont após o 14-Bis não previa uma prova futura como a que fora instituída pelo Grand Prix e, então, ele decidiu projetar um avião totalmente novo. A aeronave iria tornar-se sua verdadeira obra-prima, levando, como nenhuma outra, o rótulo de qualidade de Santos Dumont.

O prazo apertado de inscrição, quase impossível de ser cumprido, deu origem a um pequeno monoplano de 8 metros de comprimento por 5 metros de envergadura, com toda a estrutura em bambu e asas enteladas com seda japonesa. O motor, de projeto próprio, fabricado em apenas três semanas pela Deutheil & Chalmers (sob a supervisão de Dumont) tinha dois cilindros opostos e desenvolvia 20 hp de potência, absorvida por uma hélice bipá de madeira.

A fuselagem era apenas uma haste de bambu que terminava em losangos de contorno poliédrico em forma de cruz que podiam se movimentar em todas as direções e controladas por um volante no posto de comando. Este ficava sob o motor, que era montado no centro, junto ao bordo de ataque das asas. Com seu franzino piloto a bordo, a aeronave pesava meros 106 kg (56 kg era seu peso vazio). O SD-19 era pequeno, leve, ágil, seguro, dócil e de uma estética muito atraente. Quase transparente quando visto de baixo, lembrava uma libélula e ganhou o apelido Demoiselle, uma denominação assimilada por boa parte do mundo.

Os primeiros testes, novamente em Saint Cyr, foram muito animadores e o primeiro voo, em 16 de novembro de 1907, só foi interrompido pela limitação do aeródromo, depois de per- corridos cerca de 200 metros. Como o SD-19 mostrou-se muito estável, de fácil pilotagem e boa manobrabilidade, Santos Dumont inscreveu-se em cima da hora na competição.

No dia seguinte, domingo, dia 17, ele anunciou à Comissão que estava pronto para voar. O palco desta vez era o aeródromo Issy-les-Molineaux, próximo a Paris. Uma vez compro- metido com o Grand Prix, constatou quase de imediato que faltava potência ao SD-19 para cumprir as regras do percurso e competir de igual para igual com os demais participantes. Pousando suavemente após cobrir apenas 200 metros, Dumont teve de se contentar com o elogio da Comissão do Aeroclube de França que considerava o breve voo “o mais estável e bonito” entre todos realizados pelos concorrentes na busca do Grand Prix.

Mesmo assim, a disputa futura ficou entre o Demoiselle e o avião de Farman, mas o primeiro foi avariado em dezembro de 1907. Em janeiro de 1908 Farman, finalmente, conquistou o Prêmio Grand Prix. O novo ano iniciava-se em meio a uma grande efervescência aeronáutica, mostrando claramente a evolução indiscutível dos mesmos Farman, Blériot e os Voisin, e ainda a chegada tão adiada de Wilbur Wright a Paris.

Em novembro de 1907, Santos Dumont construiu o SD-19Bis, uma versão do SD-19 com asas reforçadas e motor deslocado para a parte inferior, entre as pernas do piloto, acionando a hélice por meio de uma correia. Não chegou a testá-lo e decidiu aprimorar o SD-16. Sem sucesso, projetou um novo Demoiselle.

O novo SD-20 ainda apresentava alguns problemas estruturais que levaram a uma modificação de vital importância: a haste de bambu que servia de fuselagem foi substituída por uma estrutura triangular, com três longarinas também em bambu, formando um conjunto muito mais rígido, inspira- do na quilha dos dirigíveis, sistema que Santos Dumont conhecia como poucos. Novas modificações foram introduzidas para dar maior rigidez à aeronave, e nascia um modelo mais aperfeiçoado do Demoiselle.

Com um novo e ainda pequeno motor de 30 hp instalado acima do piloto e asas reforçadas, de maior envergadura, o SD- 21 voou pela primeira vez em 9 de março de 1908 e, em 6 de abril daquele mesmo ano, completou um percurso de quase 3.000 metros. O avião tomou o lugar do dirigível “Balladeu-se” como meio de transporte individual de Santos Dumont em suas frequentes visitas aos castelos de amigos, locais em que o espaço exíguo exigido para o pouso fazia dos amplos jardins aeródromos confortáveis e seguros.

Para Dumont, entretanto, bastava a satisfação de sentir-se um legítimo Desportista do Ar, nunca deixando sua atitude de “amador” e rejeitando qualquer ideia de cunho comercial, ou mesmo industrial. Ele sentia-se muito mais um criador de oportunidades que buscava proporcionar a inigualável sensação de liberdade causada pelo voo ao maior número de pessoas.

No início de 1909 o Aeroclube de França expediu as primeiras oito carteiras (brevês) de piloto-aviador da História. A de número 1 coube, como era esperado, a Alberto Santos Dumont, seguido pela ordem por pioneiros como Henri Farman, Louis Blériot, Wilbur Wright, Orville Wright, Leon Delagrange, Robert Esnault-Pelterie e pelo capitão Ferber. No início de setembro de 1909, Santos Dumont ainda estabeleceria um recorde de velocidade ao percorrer a distância de 18 quilômetros, entre Saint Cyr e o Castelo de Wideville, mantendo uma velocidade média de 96 km/h, fato que também representou o primeiro “raide” na história da aviação.

Em 18 de setembro daquele ano, o brasileiro faria o último voo em um de seus aviões, passando rasante sobre a multidão parisiense sem segurar os comandos, em uma cena espetacular. Em cada uma das mãos, lenços que, lançados na passagem sobre os inúmeros admiradores, eram disputados como se fossem legítimos troféus.

Em dezembro de 1910 o Demoiselle foi exposto na primeira exposição aeronáutica realizada no Grand Palais de Paris, despertando enorme interesse dos visitantes que afluíam ao estande do fabricante de motores Clement-Bayard onde, além de permitir uma familiarização com todos seus de- talhes, o avião também era oferecido por 7.500 francos. Mais tarde, a empresa resolveu construir e vender uma versão com estrutura de alumínio em lugar do bambu, reduzindo seu preço para 5.000 francos e vendendo em pouco tempo cerca de 50 unidades.

Santos Dumont não mudou seu comportamento com relação à comercialização de seus inventos, esquecendo qualquer tipo de compensação ou obtenção de patentes dos modelos Demoiselle. Assim, qualquer pessoa estava autorizada a copiar e até transformar os modelos originais, o que real- mente ocorreu em diversas partes do mundo. Em 1910, por exemplo, a conhecida revista norte-americana “Popular Mechanics” veiculava anúncios oferecendo plantas originais do Demoiselle por míseros US$ 2.00 — foram mais de 100 Demoiselle construídos que voaram nos Estados Unidos.

Em 1910, já sentindo-se incapacitado de continuar no campo de provas, Santos Dumont vendeu seu Demoiselle para um novato que se transformaria num ídolo da aviação mundial: o piloto francês Roland Garros.