DIA MUNDIAL DO BRAILE

Conheça a história do militar que aprendeu o alfabeto após um acidente aéreo

Depois de ficar cego, aviador aprendeu braile, cursou teologia e aprendeu hebraico e grego
Publicada em: 04/01/2017 10:15
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Fonte: Agência Força Aérea, por Ten Raquel Alves

Aos 60 anos, ele faz suas leituras, passeios, ligações, atividades rotineiras que estamos acostumados a fazer. Gosta de cozinhar e, um pouco antes da entrevista à Agência Força Aérea, estava preparando um vinagrete. Para o Capitão Glauco Férius, ex-piloto da Força Aérea Brasileira (FAB) que servia no Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1°GAVCA), todas essas atividades são realizadas com mais primor e dedicação. O militar da reserva descobriu uma nova forma de reaprender a realizar tarefas de rotina depois que perdeu a visão.

No dia 24 de outubro de 1984, aos 28 anos, sua carreira militar foi interrompida após sofrer um acidente aéreo provocado por uma colisão com um urubu. A ave quebrou o para-brisas do caça F-5 durante um voo de instrução e atingiu seu rosto. Após o acidente, o Capitão foi levado para o Hospital de Força Aérea do Galeão (HFAG). Quando acordou, dias depois, a primeira pergunta que fez aos médicos foi "porquê estou enxergando tudo escuro?".

Foram 30 dias internado. Quando voltou para casa estava com vários projetos em mente. O primeiro foi aprender o braile. “Entrei em contato com várias pessoas cegas e pedi ajuda a elas. Aprendi o braile sozinho e todas as regletes”, explica o piloto da reserva.

A reglete é um dos primeiros instrumentos criados para a escrita braile. Adaptado pelo próprio criador deste alfabeto, Louis Braille, tem como objetivo  auxiliar que pessoas cegas possam ler e escrever. Autodidata, o Capitão Glauco se adaptou à nova vida e não parou mais. Cada dia que passava, ele tinha mais "fome de conhecimento". Resolveu fazer faculdade de teologia e relembra que o trajeto até a universidade não era nada fácil. Para chegar às sete da manhã era preciso pegar quatro ônibus. “Eu era o único cego da turma e ninguém imaginava a ginástica que eu fazia para chegar no horário. E detalhe: eu nunca me atrasei”, disse. Além de ter concluído o curso superior, Capitão Glauco também aprendeu a ler e escrever em hebraico e grego.

O trajeto não parou só no caminho do conhecimento. Ele queria mais. Viajou sozinho para São Paulo, Recife e outros locais. “O mais importante é o primeiro passo. O próximo sempre estará mais perto do destino que se quer chegar”, relata.

Toda ajuda é sempre bem-vinda – A perda da visão levou o ex-piloto a perceber um mundo novo. O conhecimento do universo, de coisas que ele nem imaginava que existiam e mais: o conhecimento da própria vida. “Estou em constante busca pela informação. Procuro sempre estar por dentro de tudo, pois o que é importante para mim, é importante para o meu semelhante. Todo conhecimento que adquiro compartilho para todas as pessoas que querem saber”, enfatiza.

Em parceira com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Capitão Glauco participou do Projeto DOSVOX, que desenvolveu um sistema operacional para deficientes visuais, junto com o coordenador e professor José Antônio dos Santos Borges. “Fiz uma pesquisa de quais eram as necessidades que os deficientes mais tinham para acessar determinadas funções no computador e relatei à equipe para que fossem implementadas no desenvolvimento do sistema. Assim, facilitaria muito para quem quisesse usar o sistema com mais facilidade”, descreve.

O sistema operacional implementado permite que pessoas cegas utilizem um microcomputador comum para desempenhar uma série de tarefas, adquirindo um nível alto de independência no estudo e no trabalho, como formatar e converter arquivos, por exemplo. Desde então, Glauco realiza  trabalho voluntário para auxiliar pessoas no processo de adaptação ao uso desse sistema, um compromisso que já dura mais de 20 anos e é gratuito.

População brasileira - Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) considerou quatro tipos de deficiências: auditiva, visual, física e intelectual. O levantamento é feito em parceria com o Ministério da Saúde. Dentre os tipos de deficiência pesquisadas, a visual é a mais representativa e atinge 3,6% dos brasileiros, sendo mais comum entre as pessoas com mais de 60 anos (11,5%). O grau intenso ou muito intenso da limitação impossibilita 16% dos deficientes visuais de realizarem atividades habituais como ir à escola, trabalhar e brincar.

O Sul é a região do país com maior proporção de pessoas com deficiência visual (5,4%). A pesquisa mostra que 0,4% são deficientes visuais desde o nascimento e 6,6% usam algum recurso para auxiliar a locomoção, como bengala articulada ou cão guia. Menos de 5% do grupo frequentam serviços de reabilitação.

A escrita em Braile - O alfabeto Braile foi criado por Louis Braille. Nascido em 4 de janeiro de 1809, o francês perdeu a visão aos três anos. O sistema permite que pessoas com cegueira total ou parcial possam ler por meio do tato. Com seis pontos em relevo dispostos em duas colunas e três linhas, o sistema proporciona 63 combinações diferentes que representam as letras do alfabeto, os números, símbolos científicos, da música, fonética e informática. Com apenas um toque, o cego percebe os pontos em relevo ao passar os dedos da esquerda para a direita. O sistema braile chegou ao Brasil em 1850. A partir da década de 1940, passou a ser usado em livros.