BASE INDUSTRIAL DE DEFESA

Com mapeamento da indústria, Ipea analisa competitividade do setor

Estudo que mapeia empresas brasileiras será apresentado nesta quarta-feira (18/10) em evento da Diretoria de Economia e Finanças da Aeronáutica
Publicada em: 17/10/2017 11:00
Imprimir
Fonte: Agência Força Aérea, por Tenente Jussara Peccini

Um estudo inédito realizado no Brasil pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mapeou a base industrial de defesa para analisar a competitividade das empresas que compõem esta cadeia produtiva como também a infraestrutura científica e tecnológica dos centros de pesquisa ligados ao setor. Os dados serão apresentados nesta quarta-feira (18/10) durante o II Encontro Internacional sobre Financiamento a Projetos de Defesa. O evento, que se inicia nesta terça-feira (17), em São Paulo (SP), é realizado pela Diretoria de Economia e Finanças da Aeronáutica (DIREF) e reúne instituições governamentais e entidades do setor privado e acadêmico. Veja programação aqui.

“A ausência de conhecimento sistematizado sobre a dimensão da indústria brasileira de defesa em sua totalidade consistia em um obstáculo para políticas mais fundamentadas para o setor”, analisa Flávia de Holanda Schmidt Squeff, Diretora Adjunta de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea.

O mapeamento da Base Industrial de Defesa Brasileira” é resultado de dois projetos de pesquisa desenvolvidos pelo instituto em articulação com outros órgãos do governo. O projeto Mapeamento da Base Industrial de Defesa (BID) foi realizado sob demanda da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O objetivo central foi retratar uma visão sistêmica da competitividade, da capacidade produtiva e tecnológica e de inovação das empresas da BID, oferecendo novos elementos para o planejamento de medidas mais eficientes de políticas públicas para o setor, baseadas em evidências.

Já o projeto “Sistema Setorial de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil”, em que um dos setores analisados foi a defesa, foi desenvolvido a pedido do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI (atualmente, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações). “Trata-se de um diagnóstico pioneiro no país, que levantou informações sobre cerca de 2 mil infraestruturas de pesquisa em mais de 130 universidades e instituições de pesquisa no Brasil; nesse universo, 44 infraestruturas de pesquisa eram parte de oito centros de pesquisa ligados ao Ministério da Defesa”, explica Flávia.

Diretora-Adjunta de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições do Ipea

Agência Força Aérea: Qual a importância para o Brasil ter sua base industrial de defesa mapeada?
Flávia Schmidt: A formulação, a implementação e o acompanhamento das políticas públicas efetivas voltadas para um determinado setor de atividade econômica deve ser fundamentalmente baseada no conhecimento acumulado sobre suas as características e o seu desempenho.

Desse modo, a ausência de conhecimento sistematizado sobre a dimensão da indústria brasileira de defesa em sua totalidade consistia em um obstáculo para políticas mais fundamentadas para o setor. Ainda que houvesse contato estreito entre o Estado brasileiro e as empresas fornecedoras de sistemas de armas e/ou de importantes subsistemas, assim como estudos acadêmicos e documentos de governo que analisam algumas destas empresas, persistia sendo necessário saber como o setor se organizou após as marcantes reconfigurações que a indústria de defesa nacional vivenciou na década de 1990.

Entre outras possibilidades, o conhecimento sobre tais informações deveria ser elemento essencial para a tomada de decisão sobre o apoio a empresas relevantes, ou mesmo para a eventual constatação da impossibilidade de manutenção de mais de “n” empresas em um dado segmento. Isso poderia acontecer em função seja das baixas aquisições de equipamentos pelas Forças Armadas nacionais, seja de um mercado externo com baixo potencial de absorção de seus produtos, o que poderia indicar a opção por uma política pública de incentivo a fusões/aquisições, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos ao longo dos anos 1990.

Não obstante os rumos de decisão que possam ser tomados pelos agentes públicos, reputa-se que é essencial que os esforços de aprimoramento da ação governamental para a área sejam baseados em informações sistematizadas sobre o setor, geradas a partir de perspectivas diversas, mas complementares de análise.

Os esforços do Ipea em relação ao tema justificam-se pela importância do tema, tendo em vista que, de acordo com documentos da área de defesa e discursos de autoridades brasileiras, não é condição suficiente para a defesa nacional que as Forças Armadas tenham equipamentos modernos e militares hábeis em operá-los. É necessário que o País detenha o conhecimento tecnológico que possibilite a produção desses equipamentos em território nacional, bem como as condições para o seu constante aperfeiçoamento e a introdução de inovações no setor. Como mencionado na Estratégia Nacional de Defesa, “a reestruturação da indústria brasileira de material de defesa tem como propósito assegurar que o atendimento das necessidades de equipamento das Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional”.


Agência Força Aérea: Pensando em políticas públicas e considerando o setor de defesa como uma "mola propulsora" no desenvolvimento de tecnologia, qual sua avaliação do setor e do potencial que ele pode atingir?
Flávia Schmidt: É preciso ressaltar inicialmente que uma das características que distinguem o setor de defesa é a inexistência de uma Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) única que agrupe as fornecedoras de produtos de defesa. Esse aspecto confere mais complexidade ao entendimento da dinâmica dessas firmas, uma vez que as análises setoriais tradicionais, que contam com diversas pesquisas e relatórios oficiais disponíveis, não permitem depreender daqueles conjuntos de empresas aquelas que estão ou não ligadas à defesa.

Nesse sentido, um dos esforços do mapeamento foi a associação de múltiplas listas possíveis para a identificação das empresas de interesse da pesquisa, para, na sequência, segmentar essas empresas no contexto dos grupos propostos para o estudo, que foi baseado no Livro Branco da Defesa Nacional (Armas e Munições Leves e Pesadas e Explosivos, Sistemas Eletrônicos e Sistemas de Comando e Controle, Plataforma Naval Militar, Propulsão Nuclear, Plataforma Terrestre Militar, Plataforma Aeronáutica Militar, Sistemas Espaciais voltados para Defesa e Equipamentos de Uso Individual).

Um dos esforços do mapeamento da indústria foi justamente desenvolver uma análise mais desagregada do setor, em função de uma grande heterogeneidade entre as empresas que o compõem, uma vez que é razoável supor que a evolução das dinâmicas internas de cada um desses segmentos da indústria se deu de forma distinta. Um recorte por segmento possibilita assim que o País tenha mais clareza sobre suas forças e fraquezas em cada uma dessas áreas, e assim tome decisões importantes. São decisões sobre a natureza e o escopo da indústria de defesa e da Pesquisa & Desenvolvimento militar que se pretende haver no país e até mesmo sobre a obtenção de conhecimento e tecnologias de fornecedores externos ou pela insistência na via desenvolvimento endógeno para alguns segmentos.

Se, pelo lado da literatura, é claro que o progresso científico é o alicerce capaz de propiciar aos países sistemas nacionais de defesa mais modernos, ágeis e eficientes em seus objetivos estratégicos, da mesma forma, o arcabouço normativo brasileiro, por sua vez, tem sido, ao longo dos últimos anos, consistente em afirmar a aspiração nacional pelo desenvolvimento endógeno de produtos de defesa tecnologicamente competitivos. Os dados compilados pelo Ipea permitem avaliações relevantes sobre as características e o real potencial desta infraestrutura – tanto industrial como científica e tecnológica - em suportar esse objetivo.

Agência Força Aérea: Qual sua avaliação da iniciativa da DIREF de reunir os agentes públicos e privados para discutir novas formas de financiamento aos produtos de defesa?
Flávia Schmidt: É extremamente oportuno que a DIREF tenha a iniciativa de realizar um debate amplo sobre o tema, incluindo na dimensão do financiamento outros aspectos relacionados ao desenvolvimento do setor, como a dimensão científica e tecnológica, e reunindo não apenas atores do Comando da Aeronáutica como diversos órgãos do Estado, da sociedade e da indústria. A construção de diálogos sobre o tema e a articulação entre esses agentes é um elemento importante para a construção de alguns consensos centrais à consolidação de políticas públicas mais robustas para a defesa nacional.