INTERNACIONAL

Competição no século XXI depende de tecnologia e inovações

Secretário de assuntos internacionais do Planejamento, Jorge Arbache, vê setor de defesa como instrumento de política industrial
Publicada em: 16/10/2017 09:00
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Fonte: Agência Força Aérea, por Ten. Jussara Peccini

Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento

Diante de políticas industriais domésticas cada vez mais vigiadas pelo disputado comércio global, o setor de defesa emerge como uma alternativa para investimentos no desenvolvimento de tecnologias e de inovações que possam alavancar a economia brasileira e torná-la mais competitiva.

“O caminho a seguir é promover crescimento pela via do conhecimento, da tecnologia e da inovação. Nada melhor do que a combinação de interesses da área militar com a civil. Isso cria uma forma de cofinanciamento das duas partes: do civil e do militar”, avalia o Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Jorge Arbache.

Esse é o principal argumento da palestra “O Setor de Defesa como instrumento de Política Industrial no Século XXI”, que será apresentada pelo secretário no II Encontro Internacional sobre Financiamento a Produtos de Defesa. O evento se inicia nesta terça-feira (17/10), em São Paulo. Veja programação aqui.

Em entrevista à Agência Força Aérea, Arbache destaca que o uso do segmento de defesa para desenvolvimento de tecnologias e inovação é utilizado com sucesso há décadas por outras nações e que tecnologias utilizadas em equipamentos militares sofisticados, como a aeronave Gripen, podem ter aplicação até na agricultura.

 

Agência Força Aérea: Pensando na economia brasileira, como o setor de defesa pode contribuir para a política industrial do século XXI?

Jorge Arbache: O setor militar tem uma peculiaridade do ponto de vista das organizações internacionais. Ele não está sujeito a muitas das regras que orientam a forma como os governos intervêm nas políticas industriais, incluindo subsídios, incentivos fiscais e outras formas de apoio à política industrial. Na medida em que o setor militar tem essa peculiaridade que permite intervenção direta dos governos nos financiamentos e desenvolvimento de equipamentos, tecnologias, inovações, isso cria uma possibilidade ímpar de combinação de interesses na área militar e com potenciais interesses no uso civil.

Isso é o que os americanos fazem há décadas, notadamente durante a corrida espacial. As mesmas tecnologias eram adaptadas para o uso civil, criando uma fonte importantíssima de financiamento e até mesmo a legitimação do financiamento na área militar. Enquanto os soviéticos tiravam recursos do orçamento, e, portanto, havia um custo para a sociedade no curto, no médio e no longo prazo, os americanos desenvolveram uma estratégia junto com o setor privado visando, na medida do possível, transferir tecnologias para uso civil, gerando mais competitividade e formas de financiar o processo. Isso acontece há décadas.

Os europeus fazem isso de maneira bastante avançada também, envolvendo universidades, criando sistemas de financiamento e de garantias, e compartilhamento de agendas entre o setor público e o setor privado e a academia, dentro de um marco de desenvolvimento militar.

Com isso, atende-se aos interesses da defesa ao tempo que há uma agenda muito mais ampla de interesses envolvidos que tem, no final das contas, um impacto que pode ser substancial da economia competir internacionalmente. Já que estamos falando, em última análise, de desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento de inovações. Isso tem funcionado muito bem.

 

Agência Força Aérea: De certa forma, essas estratégias em menor escala, já foram aplicadas no setor de defesa. Algumas experiências no segmento aeronáutico, como o desenvolvimento de projetos capitaneados pela FAB geraram dividendos para a indústria aeronáutica, como a Embraer. Pensa-se em expandir essas experiências positivas?

Jorge Arbache: Esse é o caminho a ser seguido. A política industrial é muito vigiada hoje em dia. É necessário que façamos algo mais sofisticado e avançado que atenda aos interesses do país. Fazer da política na área militar algo que seja parte do desenvolvimento econômico, notadamente no que tange às novas tecnologias e inovação, deve integrar nossa agenda de trabalho.

Há experiências bem sucedidas, em especial o caso da Embraer, um caso de profundo sucesso de como um país emergente pode sim concorrer no nível mais alto da tecnologia e de um mercado tão competitivo como é o aeroespacial. Isso não teria acontecido sem uma presença absolutamente determinante do setor público, via a Aeronáutica, neste caso.

O que temos que fazer é expandir a estratégia de uma forma mais ampla e organizada, mais coordenada. De tal forma que outras iniciativas na área militar possam ser vistas como parte de um processo que vai além do desenvolvimento de uma agenda puramente militar. Com isso, a gente resolve, de alguma forma, as demandas da área militar e resolve algo que é extremamente importante, extremamente sem exageros, é a necessidade de o Brasil ser mais competitivo internacionalmente e portanto crescer mais e de forma mais sustentada.

Não há no século XXI outra forma de crescer que não via agenda de competir com tecnologia e com inovações. Vender produtos de baixo valor adicionado, competir em áreas em que há muito pouca geração de riqueza ou de agregação de valor ou geração de bons empregos, isso é algo que se torna remoto em termos de capacidade de contribuição para a prosperidade.

O caminho a seguir é promover crescimento pela via do conhecimento, da tecnologia e da inovação. Nada melhor do que a combinação de interesses da área militar com a civil. Isso cria uma forma de cofinanciamento das duas partes do civil e do militar. Considerando toda expertise que o Brasil tem acumulado, aqui notadamente na área da Aeronáutica e também nas outras forças, o que talvez seja necessário ser feito é organizar melhor essa política e combinar os interesses dos Ministérios da Defesa com Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento e Indústria, Planejamento e Fazenda, de tal forma que a gente tenha uma estratégia, projeto de curto, médio e longo prazos que atende aos interesses do Brasil de ser uma economia mais competitiva e que entre pela porta da frente na economia global ao tempo que a gente cuide de toda a nossa agenda de defesa.

 

Secretário fala sobre o setor militar como instrumento de política industrialAgência Força Aérea: Nesse aspecto, a iniciativa da Diretoria de Economia e Finanças da Aeronáutica, vai ao encontro do que o Ministério do Planejamento busca organizar, pois traz para o mesmo fórum iniciativa privada, academia e organismos governamentais...
Jorge Arbache:
Esse diálogo é fundamental, diria até determinante. Buscar formas de cooperação e diálogo das áreas envolvidas, tendo em vista atender aos objetivos tanto da área da defesa quanto do desenvolvimento sustentado, essa iniciativa pode ser bastante importante. Conhecer melhor as experiências internacionais, encontrar ao nosso jeito formas de nos coordenarmos mais e melhor – nós governo - e setor privado, e desenhar mecanismos que levem essa agenda adiante.

Nesse momento estamos desenvolvendo um mecanismo de identificação, codesenvolvimento e transferência de tecnologia a partir de um mercado de tecnologias que está sendo pensado. Há uma iniciativa do Planejamento que conta com ajuda decisiva de outras áreas dos governo, incluindo a Aeronáutica, o Ministério da Defesa, BNDES, Finep, Apex, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Indústria e Comércio. Iniciaremos o exercício com os suecos, mas deve ser aplicado a outros países.


Agência Força Aérea: Seria um primeiro passo para uma política de Estado para buscando o desenvolvimento tecnológico do país, visto que a balança comercial do país é dominada por commodities?

Jorge Arbache: Esse é um ponto fundamental. Não há como um país ter pretensões de crescer mais e melhor no longo prazo que não seja pela via de agregação de valor e da participação na economia mundial vendendo produtos de mais alto valor adicionado. A competição pela venda de commodities é alta e só faz crescer, cria muitas exposições em termos de volatilidade de preços, de ciclo econômico no mundo e de mudanças nas taxas de câmbio que demonstram a necessidade de incluir na nossa pauta de intervenção na economia global outras áreas que agregam valor.

Isso não passa pela ideia de colocar um conjunto de atividades de mais alto valor adicionado em contraste com commodities. Há muito a se fazer em relação à agregação de valor nas commodities, inclusive com uma gigantesca agenda de desenvolvimento de conhecimento nessa área, incluindo, por exemplo, genética, sementes, serviços de satélite, serviços de rastreamento, logística avançada, e outras tantas tecnologias importantes e valiosas. Isso pode tornar nossa agricultura algo muito mais rentável, do que apenas vendermos commodities.

As commodities são parte de uma agenda ambiciosa e não empecilho para essa agenda ambiciosa. Já se sabe, em exploração preliminar, que algumas tecnologias do avião Gripen, por exemplo, podem ser transferíveis e adaptadas para a área agrícola. Isso mostra como as coisas são muito mais interessantes e promissoras do que podem parecer à primeira vista. É muito provável que muitas tecnologias, no caso da Saab, que podem ser de amplo interesse da nossa indústria, que podem fazer a diferença e promover a competitividade e o aumento da produtividade da nossa economia.