AEROVISÃO

Um brasileiro empreendedor

Neste ano, em que são celebrados os 110 anos do primeiro voo do 14-Bis, a vida e a obra do Patrono da Aeronáutica estão abertas no Museu do Amanhã (RJ)
Publicada em: 13/08/2016 08:00
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Fonte: Agência Força Aérea, Tenente Jussara Peccini

Uma cidade, um aeroporto, 55 bairros e 743 ruas, avenidas, praças, rodovias e alamedas foram batizadas com o nome de Santos Dumont no Brasil. Escolas, institutos, fundações e organizações em todo o País também homenageiam este brasileiro protagonista de incontável número de livros que exploram as múltiplas facetas do seu trabalho e da sua vida. Alberto Santos Dumont é mais conhecido por aqui como o Pai da Aviação, mas sua figura e seu legado vão muito além desta imagem.

“Os brasileiros se apegam muito
a marcas históricas. Sempre me incomodou muito esse aspecto de ele ser ou não o pai da aviação. Isso é pouco relevante diante de ele ter inventado a aviação, ter aberto o projeto dos aviões que ele desenhou. Isso é um feito tão notável que é até difícil de explicar”, afirma Amyr Klink. O navegador famoso pelas viagens solitárias ao redor do mundo se interessou pela história do inventor brasileiro desde pequeno, mas o fato de Dumont ter dividido o prêmio com os desempregados de Paris é o que mais o impressiona. “Esse gesto é muito marcante. É muito difícil encontrar alguém extremamente generoso”, descreve sobre as atitudes que, juntadas às soluções tecnológicas e arquitetônicas, tornam Dumont único.

Retratado como um homem esguio, discreto e de pouca fala, o brasileiro que cresceu com o sonho de tornar real as “máquinas voadoras” dos livros de ficção de Julio Verne revolucionou o mundo com seu empreendedorismo e inovação. Marcas que estão vivas até hoje. “As pessoas guardaram Santos Dumont numa prateleira de clichês, mas ele era e ainda é muito moderno e inovador. Faz parte da história de uma invenção que reconfigurou o mundo, transformou a maneira como nos relacionamos com o tempo e o espaço”, afirma Gringo Cardia, curador da mostra “O poeta voador” no Museu do Amanhã, em cartaz até outubro no Rio de Janeiro.

Exposição no Museu do Amanhã, Rio de JaneiroO mineiro nunca registrou seus inventos. Sonhava com uma nova forma de transporte que aproximasse culturas e, conhecendo-se melhor, as pessoas evitassem os conflitos. Pensava também em encurtar distâncias, como estampa o jornal O Estado de São Paulo em 1906 uma conversa com o inventor. “Na América, principalmente, onde há deficiência de estradas de ferro, é que o aeroplano poderá prestar relevantíssimos serviços, mas não só como meio de transporte postal, mas ainda como veículo de passageiros...”, previa há um século.

 No final do século XIX, quando os balões a gás estavam à mercê do vento, a primeira revolução de Santos Dumont no mundo aeronáutico foi instalar um propulsor ao balão, e, para dar aerodinâmica, construiu-o no formato de charuto. Antes, a silhueta dos balões era semelhante a de uma pera invertida. Foi assim que Paris parou em 19 de outubro de 1901 para ver o dirigível de número 06 circunavegar a Torre Eiffel.

As invenções dele ocorreram e
m meio às transformações que a energia elétrica, o automóvel e o telefone causavam na sociedade. Outro fato que marcava a época era a dedicação, um autossacrifício - como classifica Paul Hoffman no livro Asas da Loucura, dos cientistas com suas descobertas.

A criatividade e a dedicação até as últimas consequências, testando ele mesmo os dirigíveis e os aviões que projetava, colocaram Santos Dumont como referência para o trabalho do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Foi pelas mãos da avó que o pesquisador conheceu o inventor ainda criança. “Sou muito fascinado por tudo o que ele fez e todo o exemplo que ele deu. Essa devoção, esse compromisso com a ciência me inspirou desde o início da minha carreira como um exemplo de cientista”, descreve o professor da universidade norteamericana de Duke.

O brasileiro foi um dos homens mais prestigiados de Paris no início do século XXNicolelis batizou de Santos Dumont o exoesqueleto, estrutura metálica que dá sustentação ao corpo e movimenta-se por meio de comandos do cérebro, usado pelo jovem paraplégico Juliano Pinto para dar o pontapé inicial na abertura da Copa de 2014.

O motivo que o levou a escolher esse nome célebre do início do século XX, além da sua admiração, está atrelado ao fato de Santos Dumont ter como método fazer experimentos ao ar livre e usar suas demonstrações como formas de comunicação com o público. “Acho que ele [Santos Dumont entenderia o intuito da nossa demonstração: mostrar que a ciência pode contribuir com o bem da humanidade”, avalia o professor.

Mas, em um País que não tem o hábito de cultivar a memória de bons exemplos, as novas gerações desconhecem a vida e obra deste brasileiro. “Sou surpreendido com jovens que ficam atônitos porque estão ouvindo falar de Santos Dumont pela primeira vez”, relata o professor Nicolelis sobre a reação de jovens durante suas palestras. Há 15 anos, ele desenvolve projetos no Brasil e fala sobre o inventor como seu exemplo de brasileiro e faz a relação entre o pioneiro da aviação com a indústria aeronáutica
nacional, que coloca o País como um dos líderes mundiais da área. “Essa conexão mostra o impacto que um indivíduo pode ter na vida de uma nação um século depois”, conclui.

 Nasce um parque


O P
arque Nacional do Iguaçu, no Estado do Paraná e região da tríplice fronteira, é o segundo em número de visitantes no Brasil, atrás somente do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em 2015, recebeu 1,6 milhão de turistas de 172 países, segundo dados da administradora do parque. Depois de percorrer as trilhas e apreciar o impressionante espetáculo da natureza, os turistas encontram uma pracinha com a estátua de Santos Dumont em tamanho natural e a cem metros das quedas. Os braços são mais claros. Um sinal do desgaste provocado pelas muitas fotos feitas por turistas em companhia do inventor que foi responsável por esta “maravilha”, como ele mesmo a descreveu, tornar-se pública.

Parte dessa história está registrada em uma entrevista dele ao jornal O Estado de São Paulo em 11 de maio de 1916. Depois de Estados Unidos, Chile e Argentina, foram seis dias de viagem (três dias por estrada de ferro e três dias por via fluvial), partindo de Buenos Aires, para alcançar o ‘Salto do Iguassú’. “Cachoeiras numerosas e variadíssimas, ilhas espalhadas por allí, e a vegetação, e uma infinidade de aspectos bellíssimos. O Iguassú sem exagero nenhum, é uma maravilha”, descreve Santos Dumont ao jornal paulista.

Ao saber que a área à margem direita era propriedade particular, Dumont se compromete a reivindicar, junto ao governador do Estado do Paraná – Affonso Alves de Camargo - a desapropriação das terras de propriedade de Jesús Val. Para alcançar a capital, a mais de 600 km da tríplice fronteira, o inventor encarou uma viagem de seis dias em “lombo de burro” até Guarapuava (PR). De lá, foi de carro até Ponta Grossa, onde apanhou um trem para Curitiba. “Quando passei por Curityba, fui falar com o presidente do Estado sómente sobre Iguassu: pedir-lhe que se interesse pelo salto, e torne mais fácil e commoda a excursão. Imagine que não existe nem hotel por aquellas paragens. Existe, com o nome de hotel, uma casinha, com dois quartos e uma sala, apenas...”, relatou ao periódico.
 
Quase quatro meses depois foi aprovado
o decreto estadual n. 653, de 28 de julho de 1916, que declarou de utilidade pública uma área de 1.008 hectares. Tornou-se parque federal somente em 1939, aí já com uma área de 185 mil hectares. Desde 1986, a Unesco lista o Parque Nacional do Iguaçu como Patrimônio Mundial Natural. O pedido de Santos Dumont para a área tornar-se parque também deu origem ao Dia Nacional do Turismo, celebrado em 08 de maio.

Sobrevoos de Santos Dumont pela capital francesaPelas ruas de Paris

Um dos sete personagens brasileiros que constroem o livro “A história do Brasil nas ruas de Paris”, finalista do Prêmio Jabuti no ano passado, é Alberto Santos Dumont. O escritor Maurício Torres Assumpção narra o legado do inventor que viveu 22 anos na cidade francesa, tida como a “capital mundial das experiências aeronáuticas” no início do século. “Santos Dumont, por ter feito o primeiro voo homologad
o da humanidade, obviamente não poderia ter ficado de fora [do livro]. Hoje, a cidade de Paris celebra a sua vida com nomes de rua, placas e monumentos. É, juntamente com D. Pedro II, um dos personagens mais importante do livro”, explica sobre o que o levou a dedicar um capítulo ao inventor.

O apartamento onde viveu em Paris na avenida Champs-Élisées; o restaurante Maxim’s em que costumava jantar; a loja Cartier onde apresentou ao joallheiro Louis Cartier a necessidade de um relógio que não precisasse ser retirado do bolso durante o voo; o Jardim da Aclimação, local em que os seus balões ascendiam, pois ali havia um ponto de hidrogênio para enchê-los; o hangar onde construiu o 14-Bis e o Campo de Bagatelle onde decolou com ele são alguns dos pontos franceses em que Santos Dumont deixou sua marca de empreendedor e visionário interessado que a humanidade usasse suas criações para a paz.

  Durante a pesquisa, Assumpção descobriu que Santos Dumont revelou-se muito mais “pitoresco e fascinante” do que aquela imagem já um tanto desgastada do ‘Pai da Aviação’”. O fato de nunca ter patenteado nenhuma das suas invenções é o que mais chama a atenção do escritor. “Depois de construí-las e testá-las, doava o projeto a quem as quisesse construir, sem receber um centavo de royalties. Como digo no meu livro, Santos Dumont é o Pai do Código Aberto, do Open Source, trabalhando pelo progresso da humanidade, sem interesses financeiros”, afirma.

 Herói da Pátria

Dumont dividiu o prêmio pela invenção do 14-BIS com funcionários desempregadosAlberto Santos Dumont é o nono nome na lista de 45 brasileiros inscritos no “Livro dos heróis e das heroínas da Pátria”. O nome do pai da Aviação foi incluído em 2006 nas páginas de aço guardadas no Panteão da Pátria Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, por ocasião do centenário do voo do 14-Bis.

Para que um nome seja incluído no Livro, o Senado e a Câmara dos Deputados precisam aprovar uma lei. O livro é instrumento para o culto cívico das personalidades marcantes da história do Brasil. No livro estão inscritos os nomes de Tiradentes, Marechal Deodoro da Fonseca, Zumbi dos Palmares, D. Pedro I, Plácido de Castro e Duque de Caxias.